Uma nova rodada de redução da Selic em 2019 entrou de vez no cenário dos economistas. Pesquisa com economistas realizada pelo Valor mostra que o percentual dos que esperam corte da taxa básica de juros no segundo semestre praticamente dobrou em relação ao levantamento anterior. Muitas variáveis começam a jogar a favor da flexibilização monetária neste ano,passando pela atividade fraca, inflação caminhando para ficar abaixo da meta,ambiente político melhor e até mesmo pelo panorama internacional.
Na semana que vem, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central volta a se reunir e anuncia sua decisão de juros na quarta-feira.O consenso é de manutenção da Selic em 6,5% ao ano, mas a leitura de boa parte dos profissionais é que um corte está cada vez mais próximo de se concretizar.
De 63 economistas ouvidos pelo Valor,38 esperam corte de juros neste ano, o que representa 60% do total. O número evidencia uma grande mudança nas projeções do mercado, uma vez que no mesmo levantamento feito às vésperas da última reunião do Copom, em maio, apenas um terço da amostragem tinha a flexibilização monetária como cenário base.
Evandro Buccini, economista-chefe da Rio Bravo, resume bem o que entrou de vez no radar dos especialistas e o levou a ajustar as suas projeções:é uma combinação de contração do PIB do primeiro trimestre, frustração com a atividade em abril, surpresas negativas de inflação, política monetária americana mais estimulativa e a maior probabilidade de aprovação da reforma da Previdência.
Os números do PIB do primeiro trimestre, divulgados no fim de maio, confirmaram a expectativa do mercado de queda de 0,2% na atividade. E os dados que saíram na sequência reiteraram o cenário de economia muito anêmica:indicadores da indústria e vendas no varejo ficaram abaixo do esperado e decepcionaram os especialistas.
A fraqueza da economia sugere que a diferença entre o PIB real e o PIB potencial, conhecido como hiato do produto, pode estar maior do que o imaginado e, portanto, a economia precisa receber mais estímulos. "Temos apercepção de que o Banco Central pode começar a perceber o hiato maior em seus filtros", analisa Alexandre Azara, economista-chefe da Mauá Capital.
A inflação também começa a abrir espaço para o corte de juros. O IPCA se desvencilhou da pressão de alguns choques pontuais, como os preços de alimentos e combustíveis, e voltou a mostrar uma trajetória muito tranquila. Em maio, o avanço do índice foi de apenas 0,13% e há alguma expectativa de deflação em junho. E o mercado aposta, inclusive, que os números ficarão abaixo da meta nos próximos anos. A inflação projetada nos títulos públicos, por exemplo, está em 3,14% para 2020, 3,55% para 2021 e em 3,71% para 2022.
"Alteramos o nosso cenário por constatarmos um hiato do produto mais aberto e a percepção de que a inflação deve mostrar um comportamento muito benigno nos próximos meses", diz Newton Rosa,economista-chefe da Sul América Investimentos. O profissional espera que o IPCA fechará o ano em 3,68%. "O ambiente inflacionário confortável deve influenciar as projeções para 2020, que devem recuar abaixo do centro da metade 4% prevista para o próximo ano", acrescenta.
Com a atividade econômica fraca e projeções de inflação caminhando para ficar abaixo da meta de 2020, aumenta a aposta de que o BC volte a estimular a economia, com o objetivo de trazer as expectativas de inflação para o centro da meta do próximo ano.
No caso da Mapfre Investimentos, que agora projeta estabilidade da taxa básica de juros por mais tempo, o cenário internacional foi o fator determinante. "Nossa expectativa foi alterada por conta da mudança da perspectiva de política monetária americana", diz Luis Afonso Lima,economista-chefe da Mapfre Investimentos.
Os dirigentes do Federal Reserve (Fed), banco central americano,começaram a admitir a possibilidade de flexibilização da política monetária dos Estados Unidos para sustentar a expansão econômica do país. Já o Banco Central Europeu (BCE) tem reiterado plano de manter juros baixos por mais tempo e iniciar um novo programa de estímulos à economia. Outros bancos centrais, comodo Chile, Índia e Austrália, estão em processo de corte do juro básico.
"O cenário externo aponta para uma desaceleração maior do crescimento global, inclusive dos EUA, que deve ser acompanhada por queda nos juros das principais economias, diante da menor pressão inflacionária",diz Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset.
A crença no corte se fortaleceu de tal maneira que começam a surgir as primeiras avaliações de que o Banco Central poderia mudar a comunicação e sinalizar que deve seguir por este caminho. É o caso do economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato. Na sua visão, o Copom deve mudar a sua avaliação do balanço de riscos e indicar mais chances de queda da inflação.
Anna Reis, economista-chefe da GAP, vai na mesma linha:"Acreditamos que há chance de o Copom sinalizar que o balanço de riscos para a inflação se tornou assimétrico para baixo".
A melhora recente do ambiente político também é responsável pela aposta mais intensa neste cenário entre os economistas. Mas é unanimidade entre os especialistas que a decisão do corte não será tomada pelo Banco Central sem um forte indício de que a reforma da Previdência será aprovada.
A maioria dos profissionais consultados pelo Valor acredita que, somente depois do recesso parlamentar, a reforma da Previdência será votada em primeiro turno na Câmara. Essa é a leitura de 43 especialistas do total de 63 - outros 18 analistas esperam que a votação ocorra antes da parada parlamentar e dois não responderam.
Além disso, 44 entrevistados trabalham com cenário de que a reforma trará economia fiscal de R$ 700 bilhões a R$ 900 bilhões em dez anos.Já um grupo de 17 analistas prevê uma poupança menor no intervalo de R$ 500 bilhões a R$ 699 bilhões. A consulta foi realizada entre segunda-feira e o início da tarde de ontem. O parecer do relator Samuel Moreira divulgado ontem na comissão especial estima economia em dez anos de R$ 915 bilhões.